12 de junho de 2008

Ela abre os braços e, a fitar a luz do tecto, rodopia de pés descalços no chão de calha de madeira. Até que, no silêncio, começa um bailado. Tudo se conjuga: as pernas, os pés, os braços, as mãos, a cintura, o pescoço...da ponta do maior dedo do pé ao cabelo mais comprido de entre os caracóis escadeados. É uma dança conturcionista não física mas que vem de dentro, das profundezas de uma alma só no palco do Mundo. Levanta uma perna direita, rija, esticada até à pontinha do pé e depois fá-la rodar para trás caindo o tronco em simultâneo com os braços e a cabeça em direcção aos joelhos. Agita-se fazendo movimentos delicados com os dedos e de seguida um salto com as duas pernas, os dois pés e o corpo todo e continua obedecendo à mente e ao espírito até estes dizerem 'pára'. Então ela atira-se para o sofá como um peso morto e ri-se que nem uma perdida quebrando todo o silêncio de quando o corpo só dançava. Ocupa agora as mãos com uma chávena branca com chá de cidreira, bem quente para a aquecer por dentro e sarar as feridas dos pensamentos mais tristes e gelados. Depois deixa-se ficar na média luz do candeeiro de papel e da televisão com imagem e sem som. Vai cantando por dentro ... 'would u share all your dreams with me for the rest of my life?'

Tapa os ouvidos, apercebe-te da mudez das pessoas deste planeta que é a terra. Aproveita para te ouvires, por dentro.

4 de junho de 2008

As cores do mundo murcham quando não olhamos para elas. São como as flores que morrem sem água nem carinho. E quando os cinzas e os pretos me assolam vou a correr de tesoura em punho desbravar revistas e colar, colar, colar. Sobreponho, crio, rio como um cientista louco. Monto o meu mundo lindo de recortes e tento remendar espaços com muita cor e muitos padrões. Mas quando há vazio no olhar o mundo não se preenche, não vale a pena. Entao tomo banho e esvazio o pensamento, durmo quentinha e amanha acordo melhor, certamente.

15 de maio de 2008

Toda a vida tem ruído mas eu nunca tinha guardado um tempinho para pensar nisso. O vento sopra, os pés arrastam-se dentro dos chinelos, a máquina da roupa torce, a porta bate ... o silêncio ensurdece.
Eu interiorizo sons e tenho medo. Medo de portas fechadas e de portas mal abertas, medo da chave que roda na porta, medo das patas do cão que esgravatam por cima da minha cabeça, medo da ventania que bate e re-bate nas persianas, medo da sombra do candeeiro que se agita ... medo.
Hoje vou dormir de luz ligada, vou fingir que tenho cinco anos e me contam uma história, vou fingir que me afagam o cabelo e massajam a cabeça, vou fingir que recebo um beijo na testa mesmo quando já estou com um pé no país dos sonhos. Hoje vou afugentar os meus fantasmas, vou encadeá-los com a luz da minha bola de papel.
Talvez um dia aprenda a dormir como gente grande, mas hoje não.

5 de maio de 2008

-Como foi a escolinha hoje, filha?
-Tenho uma amiga nova...ela emprestou-me um lápis azul para pintar o céu do meu desenho.
Já estão quase duas décadas neste corpinho que é isso mesmo, pequeno. Mas a vida ainda é longa e eu já sabia que a probabilidade de me surpreender diáriamente não seria nula.
Não, não foi num belo dia de sol. Não, também não foi num triste dia de chuva. Eu sei que uma histórinha desta dimensão devia ter um começo daqueles que fazem lembrar purpurinas na cara de uma miúda de 5 anos mas não vou mentir, nem me lembro do dia em que isto aconteceu, se é que se pode precisar um dia. O facto é que um dia, ou num molho de dias, eu fiz uma amiga e ela nem precisou de me emprestar um lápis para eu gostar dela. Porque ela não me empresta só um lápis para rabiscar numa folha, ela dá-me sorrisos, abraços, 'Nãos', mãos, papéis, palavras, parvoíces, risos. Ela dá-me um bocadinho do seu coração que é gigante e eu gosto muito dela com a simplicidade e sinceridade de quando temos menos de uma mão cheia de aniversários.

Obrigada Catarina :D
A cidade está igual. As casas, as sés, a torre continuam a formatar-me o horizonte e a desmaiar no rio que balança levemente quando a brisa da noite passa. Há um tan tan tan tan (...) de Carlos Paredes a ecoar-me nos ouvidos quando a olho, a menina dos meus olhos treme aguada quando fito as suas luzes, há uma dor aguda em mim, por dentro. Sinto raiva por não poder ficar pequenina para sempre, por a vida nos obrigar a escolher. Sinto medo por ter escolhido, por ter fechado, talvez para sempre, um caminho para ir por outro. Assola-me o peso de um sonho que não foi cumprido(tento sorrir por e para aqueles que o realizaram por mim, em vez de mim ... talvez não com a garra com que o faria). Alegra-me o aparecimento de novas metas, sem capa, bengala ou cartola mas com palavras, textos, conquistas ... boas perspectivas.
Quero deixar-me de suposições e de rancores, afinal o recorte, ao fundo, será o mesmo sempre que me apetecer adormecer no colo da cidade que é minha, Para sempre.

26 de abril de 2008

Montávamos uma tenda pequenina, daquelas tipo iglo de esquimó, no meio do nada. Quem sabe num sítio onde se pudesse ouvir o mar e o vento. Fazíamos uma fogueira pequena e jantávamos fruta (quem sabe até encontrasse na mala um 'fazedor' mágico de chantilly). Jogávamos cartas e ríamos das nossas batutices e das conversas que não têm nada a ver com nada. Quando os olhos começassem a pesar deitávamo-nos lá dentro, debaixo de uma mantinha e depois a vontade dir-nos-á até onde ir. Passava-te as mãos no cabelo sempre curto e afagava-te a cara entre as duas palmas puxando-a para mim até te tocar nos lábios com um beijo terno. 'És tão lindo!'.
Acordávamos e saíamos da tenda. Tu, calorento, com uma t-shirt e eu com uma daquelas camisolas largas e fofas que fazem lembrar abraços. A brisa fresca convidáva-nos a beber um café daqueles à canecada, de cevada, bem quentinhos. Sentava-me ao teu lado, no chão, com as pernas dobradas contra o peito e, com as mãos cobertas com a camisola, saboreava aquele café a ver o mar pelo contorno do teu perfil. Mais tarde passeávamos na praia e dávamos uns bons mergulhos com uns beijinhos salgados e uns abraços molhados. Quando te tentasses secar eu enroláva-te na areia até ficares a parecer um saboroso croquete. Ao almoço estendiamos uma toalha daqueles aos quadradinhos vermelhos e brancos nas dunas. Bebíamos sumo de melancia, comíamos salada e um peixinho grelhado (eu fazia o esforço se me tirasses as espinhas do animalzinho e não me mostrasses as ovas!). Mais tarde veríamos o pôr do sol laranja e vermelho no horizonte e tirávamos fotografias.
E éramos felizes ali, até querermos, até nos cansarmos da imensidão do mar e do amarelo dos muitos grãos de areia, até a pasmasseira de uma vida só a dois nos fazer imbirrar com os barulinhos de quando bebemos água, mastigamos ou ressonamos.
Foges comigo?

Há coisa melhor neste mundo do que o sol a bater-nos na cara e a fazer-nos fechar os olhos abrindo aquele sorriso idiota com os dentes todos ?

20 de fevereiro de 2008

Abri a janela da sala para deixar entrar o frio e renovar o ar pesado da manhã que houve aqui. Gosto de sentir os ossos gelar e ver os pêlos dos braços iriçar como os de um gato para depois conseguir dar valor à mantinha e ao sofá e a esta casa de paredes mal pintadas. Diz-se por aí muitas vezes que só se dá valor ás coisas, ás pessoas, quando já não as temos. É verdade e não há quem não o saiba mas só quando o frio nos gela é que sentimos o quanto conforta o calor. Só quando te vais embora com um "xau" vazio é que me grita o teu silêncio e a tua ausência, é que bato os pés, esperneio e atiro perguntas para o ar sem resposta.
Eu sei que voltas! Ou serei só eu que não vivo sem ti?

9 de fevereiro de 2008

Sento-me num banquinho à lareira. Todos naquela sala que já não me conforta se emaranharam no emaranhado de cada uma das suas vidas. Desisti que os nossos dias se encontrassem, que os sorrisos fossem pelos mesmos motivos, que as trocas de ideias fossem feitas em tom médio e nunca num gritante conflito. Desisti que voltássemos a ser familia. Entreti-me sozinha na chama, fiz passear as minhas mãos por ali com dedinhos sonhadores de bailarina, apertei os caracóis desajeitadamente com um lápis que apanhei na mesinha para sentir o quente no pescoço despido, fingi de olhos fechados que conversávamos e ríamos e nos abraçávamos e nos interessávamos pelo dia-a-dia de cada um.
Se eu tivesse três anos e a idade dos 'porquês' me estivesse a atacar eu perguntaria à minha mãe agarrando-lhe as pernas: mãe, porque é que as pessoas mudam?
Mas, sem resposta, já só me resta a lenha em brasa cor vulcão dentro da caixinha de porta de vidro para me aquecer nestes dias de inverno com os dias contados.

1 de fevereiro de 2008

Não entendo esta mania que o sol tem de se esconder atrás das nuvens feias de cinza que surgem sem avisar e me apagar aquele amarelo quentinho. Não gosto. Acabo por tirar o arco iris do pescoço e o sorriso néctar da cara. Levanto-me da relva, corro para o rio e atiro uma pedra bem grande para ver se o magouo, em vão.
Voltei para as minhas quatro paredes sem pressa naquele metro cheio. O betão era de uma cor triste como as nuvens, a poluição não fugia à regra, o ruído não passava de a banda sonora condizente. Tu não vieste. Não tive a tua mão para apertar nem o teu abraço para me proteger do frio que se começava a fazer sentir. Eu entendo: até tu, que és perfeito, tens o teu limite de paciência e eu tenho abusado da tua, tenho sido casmurra e triste nas palavras.
Enrrosco-me na mantinha azul piroso, ligo a maquineta quadrada da manipulação em massa, vario entre os canais nacionais e acabo por desligar. Fui buscar a maldita caixa que tem um mundo dentro e cometi o erro de a abrir. Está tão cheia de ti que parece que me deram um murro cá dentro do peito e me martelaram a cabeça. Só nos via deitados na relva, a rir, a conversar ...
Primavera volta!

21 de janeiro de 2008

O Sol estava pintado de amarelo garrido e tingido de tangerina. Vesti uma blusinha larga e um colar arco-íris, saí! Corri para o túnel do metro, bati o pé repetidamente com frenesim como se quisesse avançar os números do relógio digital para que aquele monstrinho ruidoso se apresasse a levar-me daquele ambiente de ferro e betão onde o trânsito se ouve alto. Uma lufada de ar fresco, um chilrear amoroso, uma outra cor que não o cinza... era o que apetecia naquele dia. Puxei-te a mão para ver se mexias os pés molengos e o corpo mal espreguiçado. Olhavas-me com boca de espanto por me veres tão eufórica. -Ela chegou amor! - Sussurrei-te ao ouvido por desejar que aquele fosse um segredo só nosso. Desejava que o sol, o cheiro, a brisa, a melodia fossem só nossos.
Por fim chegámos. Atirei a mala para o chão, tirei as sapatilhas e as meias. Senti aquela relva fresquinha debaixo dos pés e sentei-me com perninhas “à chinês”. Alisei o verde ao meu lado e fiz aquele sorriso de cabeça inclinada para a direita para que te sentasses também e tu abriste um sorriso e acedeste ao meu pedido, tinhas finalmente entrado no espírito e percebido a minha urgência. Apontaste para uma papoila muito vermelha que balançava sozinha na grama e disseste “aquela é tua!” ao que eu respondi brincando “amanhã venho aqui regá-la!”
Olhei em volta. Só havia meia dúzia de pessoas que passavam apressadas de corpo estafado, cabeça baixa e cara de dia chuvoso mas nem quis pensar no porquê, como geralmente faço. Olhei o rio de um azul fugidio e uma calma tranquilizadora dos sentidos. Atirei uma pedrinha que deu saltinhos até se perder naquela água imensa. Respirei o mais fundo que consegui para reter aquele ar aparentemente puro dentro de mim. Reparei nos passarinhos indecisos a voar de ramo em ramo a cantar à desgarrada. Fixei-me, então, no teu olhar negro e brilhante. Beijei-te. Escorreu-me uma lágrima tímida de felicidade pela face gorducha até sentir o sal nos lábios. Deitei as costas no húmido de toda aquela natureza. Enrosquei a cabeça naquele lugar onde acaba o teu pescoço e começa o teu peito. Abraçaste-me e eu Sorri. Chegou a Primavera, uma que é só minha e tua, uma que é os nossos sorrisos e os nossos abraços, uma que é as nossas caminhadas e as nossas paisagens.
Porque a Primavera não é uma estação do ano, é o estado de espírito que ele faz nascer em mim mesmo nos dias de terrível tempestade!

2 de janeiro de 2008

Os sorrisos bonitos, grandes, quentes. Os risos altos, esganiçados, descontrolados. Os passos de dança emprovisados, engraçados, esquisitos. Uma garrafa numa mão e a outra livre para dar palmadinhas nas costas, passar a mão no cabelos, afagar as caras. As festas com amigos são assim! Obrigada por terem vindo e por terem enchido esta casa do que mais lhe faz falta ... barulho : D

Excelente 2008 !
A despedida foi dura como sempre. Subo as escadas com pressa de sair daquele túnel igual e claustrofóbico, piso em passos pequenos as gotas de chuva derramadas no alcatrão, abro os braços, respiro o mais fundo que consigo até sentir todo aquele ar por dentro com esperança que o ventinho me desfizesse o nó da garganta. Enfim o doloroso e não raro triste regresso a casa, à casa que não é bem casa mas aos poucos vai ter de ser isso mesmo. O silêncio abunda, o frio não deslarga, o nó aumenta.
Há dias assim, há muitos dias assim. Aqueles dias em que as lágrimas são só lágrimas porque o têm de ser, porque não existe razão nem palavras que as explique. Afinal a paisagem não mudou, as pessoas também não e se eu quiser até consigo dar um ar festivo aos semáforos indecisos de amarelo.
Mas ... não tenho força para isso!

Ano novo, Nini antiga :S