15 de maio de 2008

Toda a vida tem ruído mas eu nunca tinha guardado um tempinho para pensar nisso. O vento sopra, os pés arrastam-se dentro dos chinelos, a máquina da roupa torce, a porta bate ... o silêncio ensurdece.
Eu interiorizo sons e tenho medo. Medo de portas fechadas e de portas mal abertas, medo da chave que roda na porta, medo das patas do cão que esgravatam por cima da minha cabeça, medo da ventania que bate e re-bate nas persianas, medo da sombra do candeeiro que se agita ... medo.
Hoje vou dormir de luz ligada, vou fingir que tenho cinco anos e me contam uma história, vou fingir que me afagam o cabelo e massajam a cabeça, vou fingir que recebo um beijo na testa mesmo quando já estou com um pé no país dos sonhos. Hoje vou afugentar os meus fantasmas, vou encadeá-los com a luz da minha bola de papel.
Talvez um dia aprenda a dormir como gente grande, mas hoje não.

5 de maio de 2008

-Como foi a escolinha hoje, filha?
-Tenho uma amiga nova...ela emprestou-me um lápis azul para pintar o céu do meu desenho.
Já estão quase duas décadas neste corpinho que é isso mesmo, pequeno. Mas a vida ainda é longa e eu já sabia que a probabilidade de me surpreender diáriamente não seria nula.
Não, não foi num belo dia de sol. Não, também não foi num triste dia de chuva. Eu sei que uma histórinha desta dimensão devia ter um começo daqueles que fazem lembrar purpurinas na cara de uma miúda de 5 anos mas não vou mentir, nem me lembro do dia em que isto aconteceu, se é que se pode precisar um dia. O facto é que um dia, ou num molho de dias, eu fiz uma amiga e ela nem precisou de me emprestar um lápis para eu gostar dela. Porque ela não me empresta só um lápis para rabiscar numa folha, ela dá-me sorrisos, abraços, 'Nãos', mãos, papéis, palavras, parvoíces, risos. Ela dá-me um bocadinho do seu coração que é gigante e eu gosto muito dela com a simplicidade e sinceridade de quando temos menos de uma mão cheia de aniversários.

Obrigada Catarina :D
A cidade está igual. As casas, as sés, a torre continuam a formatar-me o horizonte e a desmaiar no rio que balança levemente quando a brisa da noite passa. Há um tan tan tan tan (...) de Carlos Paredes a ecoar-me nos ouvidos quando a olho, a menina dos meus olhos treme aguada quando fito as suas luzes, há uma dor aguda em mim, por dentro. Sinto raiva por não poder ficar pequenina para sempre, por a vida nos obrigar a escolher. Sinto medo por ter escolhido, por ter fechado, talvez para sempre, um caminho para ir por outro. Assola-me o peso de um sonho que não foi cumprido(tento sorrir por e para aqueles que o realizaram por mim, em vez de mim ... talvez não com a garra com que o faria). Alegra-me o aparecimento de novas metas, sem capa, bengala ou cartola mas com palavras, textos, conquistas ... boas perspectivas.
Quero deixar-me de suposições e de rancores, afinal o recorte, ao fundo, será o mesmo sempre que me apetecer adormecer no colo da cidade que é minha, Para sempre.